sábado, 24 de maio de 2008

OSHO


O amor não consegue cumprir o prometido

Querido Osho,

Quando eu me apaixono profundamente, me sinto triste ao mesmo tempo. Por que?

“O verdadeiro amor sempre causa tristeza. É inevitável, porque o amor cria um espaço que abre novas portas ao seu ser. O amor cria uma situação crepuscular.
Em momentos de amor, você pode ver o que é irreal e o que é real. Em momentos de amor, você pode ver o que é significante e o que é insignificante e, ao mesmo tempo, você vê que está enraizado no insignificante – por isso a tristeza. Quando você está amando, você se torna consciente do seu potencial supremo, você se torna consciente do mais longínquo pico, mas você não está lá – por isso a tristeza.
Você tem uma visão, mas é uma visão e, em um minuto, ela desaparecerá. É como se Deus tivesse falado com você no sonho e, quando você acorda, você não o vê. Você sabe que algo aconteceu, mas não se tornou uma realidade. Foi apenas uma brisa passando.
Se o amor não causa tristeza, saiba bem que não é amor. O amor, com certeza, criará a tristeza; quanto maior o amor, maior será a tristeza que o acompanha.
O amor abre a porta para Deus. Dois corações ficam juntos, muito próximos, mas nessa proximidade eles podem ver a separação – essa é a tristeza. Quando você está longe, não consegue ver isso tão claramente. Você sabe que está separado, mas quando você deseja ser um com alguém, anseia por isso, há uma grande paixão e você se aproxima, se aproxima, então chega o momento em que você está muito, muito perto, mas você não pode ir além, você está paralisado – de repente você fica triste. A meta está tão próxima e ainda assim fora do alcance.
Às vezes, depois de amar, você cairá numa noite de profunda frustração. Aqueles que não conhecem o amor, não conhecem o verdadeiro sofrimento, a verdadeira angústia. Eles têm um tipo de vida nivelado. Não conhecem os picos, por isso não estão conscientes dos vales. Não atingiram o máximo, assim, pensam que o que estão fazendo, seja lá o que for, é como a vida deve ser. No amor, por um momento, você se torna aquilo que você deveria ser. Mas isso é apenas momentâneo.
Se você quer que isso se torne uma realidade eterna para você, então o amor não será suficiente – a oração será necessária. O amor o faz consciente dessa necessidade – e, a não ser que você comece a mover-se na oração, o amor criará mais e mais tristeza.
Você não pode tornar-se um no amor. Pode apenas ter a ilusão de tornar-se um. E esse é o grande desejo – como ser um, como ser um com o todo, como ficar em harmonia com a realidade, como desaparecer totalmente. Porque se você é, há sofrimento; se você é, há angústia; se você é, há ansiedade. O próprio ego cria o problema. Quando você se dissolve e desaparece, quando você se torna um, alguém é deixado para trás. Você é apenas uma onda nesse eterno oceano da existência. Você não tem um centro próprio; o centro do todo se torna o seu centro. Então a ansiedade desaparece, a angústia desaparece e o potencial tornou-se real. Isso é o que se chama iluminação, nirvana ou realização divina.
O amor se move na mesma direção, mas ele pode apenas prometer, não pode cumprir. Ele não consegue cumprir o prometido – por isso a tristeza. Você sente que está chegando muito perto do ponto onde você pode desaparecer e ainda assim não desaparece. Novamente você começa a distanciar-se de seu amado. Várias vezes você chegará perto e de novo cairá em sua solidão. Mas você nunca se tornará um. E, a menos que se torne um, o êxtase não será possível.
Um existencialista muito famoso, Nikolai Berdyaev, escreveu algumas coisas muito pertinentes, muito relevantes para essa pergunta. Ele diz: ‘Eu sempre tive medo de experiências felizes, divertidas, pois elas sempre me trouxeram as mais vivas memórias da agonia da vida’.
Certamente é assim. É por isso que as pessoas realmente miseráveis não se rebelam. Os proletários nunca se rebelam. Marx era de uma família de classe média, assim como Mao, Lênin, Engels. Todos os revolucionários vêm da classe média, eles não vêm da camada social inferior. Eles não podem vir dali. As pessoas são tão miseráveis que não podem acreditar que exista algo mais. Elas nunca experimentaram nada da alegria. Pelo fato de elas não terem experimentado coisa alguma da alegria, elas não podem se imaginar como miseráveis. Elas não têm comparações.
Se você não souber o que é doença, não saberá o que é saúde. Se você é doente desde o começo – se, no dia em que você nasceu, nasceu doente – e nunca sentiu aquele bem estar chamado saúde, você não será tão infeliz com sua doença. Você estará perfeitamente satisfeito com ela. Você achará que a vida é assim.

É por isso que uma revolução não surge da camada social mais baixa.
Também não surge da camada social mais alta, porque eles têm muito a perder. Eles não podem ser revolucionários. É arriscado demais para eles. O pobre nada tem a perder, mas não pode sentir as suas misérias; o rico pode sentir a miséria, mas ele tem muito a perder. Por isso, todos os revolucionários nascem da classe média – aqueles que conheceram ambos, um pouco da miséria e um pouco do contentamento. A perspectiva deles é muito mais clara. Eles sabem que a felicidade é possível e, por saberem isso, suas agonias são intoleráveis.
Berdyaev diz: ‘Em dias de grande festa eu, quase que invariavelmente, sentia agonia, talvez porque estivesse esperando por alguma transformação miraculosa da costumeira vida prosaica. Mas ela nunca veio.’ Sim, num dia de festa uma pessoa sente mais agonia, porque ela espera mais. Quando você espera mais, naturalmente se sentirá mais miserável se essa esperança não for satisfeita.

Em momentos de amor há uma grande esperança. Você chegou – e ainda assim nunca chega. Você sente que está quase acontecendo – este é o momento – o momento vem e passa e você é deixado novamente na mesma terra deserta em que sempre esteve. As nuvens juntaram-se e nunca chove, o deserto permanece um deserto. Se as nuvens não se juntam, você não terá esperança. Você o conhece como deserto. Você o aceita. Você se ajusta a ele. Mas, de repente, um dia, você vê as nuvens se juntando, você sente pelo vento que vai chover, sente em todo o redor que vai chover, seu coração começa a vibrar, porque agora esse deserto não será mais um deserto, agora as árvores verdes crescerão, pássaros cantarão e haverá celebração... E aquelas nuvens começam a desaparecer.
Você não viu isso? Um dia, caminhando por uma rua escura, de repente um carro passa perto e o inunda de luz. Depois que o carro se vai, a escuridão é maior que antes. O que aconteceu? Você estava caminhando na mesma noite, na mesma escuridão, mas aquelas luzes, aqueles faróis do carro, de repente encheram seus olhos de luz por um momento. Comparando agora, a escuridão é maior. Por alguns minutos, pode ser que você não seja capaz de ver nada. Estará completamente cego. Isso foi feito pela luz.
A situação é exatamente a mesma... Quando você está apaixonado, é inundado de luz. Mas, então, acaba – vem e vai, é momentâneo. E no rastro há grande tristeza.
E, mesmo enquanto o amor está presente, aqueles que são muito perceptivos sabem que não vai ser assim para sempre. É momentâneo. Eles estão até tremendo. O amor está lá, mas eles sabem que vai acabar – por isso a tristeza.
A pergunta foi feita por Ma Prem Abhinava. Ela deve ser muito perceptiva, intuitiva. Ela deve ter um coração que pode sentir as coisas mesmo quando as pessoas comuns não as sentem. Quando há amor, você curte; quando ele se acaba, você fica triste. Mas, se você for muito perceptivo, se tornará consciente de que exatamente no momento em que o amor está presente, a tristeza está espreitando ali na esquina.
Berdyaev diz: ‘O amor, em particular, me parece carregar dentro de si a semente da angústia e freqüentemente fico perplexo com pessoas que puderam experimentar a exaltação do amor como pura alegria e felicidade’. Ele parece estar confuso.
Esse homem, Nikolai Berdyaev, foi um dos maiores existencialista do século XX. E o existencialismo tem penetrado nos mistérios da vida muito profundamente – não até o final, é claro, mas o existencialismo é um bom começo. Ninguém deveria parar nele, porque o começo é negativo. Se você não mergulhar nele, ele permanece negativo. Começa a ter uma qualidade positiva apenas quando você realmente vai fundo nele.
Buda também é um existencialista, mas ele foi até o final. Sartre, Heidegger, Jasper, Marcel, Berdyaev, eles também são existencialistas, mas estão parados em algum lugar no meio, não foram até o final. Por isso eles permanecem negativos. Mas o insight está certo – nas linhas certas, na direção certa. Os existencialistas falam de desespero, angústia, ansiedade, depressão, tristeza, miséria – tudo o que é sombrio, triste. Eles nunca falam de bênção, de alegria, de celebração. Mesmo assim, gostaria de dizer que eles estão se movendo na direção certa. Se eles se moverem um pouco mais, logo encontrarão a alegria surgindo.
Fiquei sabendo sobre uma senhora muito famosa, muito respeitável, muito conhecida na mais alta camada da sociedade. Numa festa onde todas as pessoas proeminentes do país estavam presentes, ela se embebedou. Alguém a provocou e ela ficou com tanta raiva que perdeu o controle, seu controle usual. Ela perdeu a calma e disse umas palavras vulgares. As pessoas ficaram chocadas. Não podiam acreditar que aquelas palavras feias vinham daquela senhora respeitável. Estavam tão chocadas que o silêncio caiu sobre elas e então ela também ficou chocada pelo choque delas.

Ela entendeu o que tinha feito. Ela sorriu – um doce sorriso que apenas as damas sabem dar – e disse, ‘Sinto muito. Parece que estou me tornando existencialista’.
Essa é a situação agora. O existencialismo tem falado apenas sobre coisas vulgares, o doente, patológico, negativo – o lado escuro da vida.
É como se a morte fosse o objeto da meditação. Mas, se você meditar o suficiente sobre a morte, você ficará surpreso porque, no centro da morte, surge a vida.
Berdyaev diz: ‘O amor, em particular, me parece que carrega dentro de si a semente da angústia e freqüentemente fico perplexo com pessoas que puderam experimentar a exaltação do amor como pura alegria e felicidade’. Eros está em angústia, pois se preocupa e está profundamente enraizado no mistério do tempo e da eternidade. Preocupa-se com o tempo, ansioso pela eterna satisfação e, ainda assim, nunca a alcança.

‘Do mesmo modo, há angústia no sexo. O sexo mostra o homem ferido, partido e incapaz de alcançar a plenitude verdadeira através da união. Ele manda o homem ir para um outro lugar, mas ele retorna uma vez mais para si mesmo e a angústia de seu anseio pela unidade continua não aliviada. O desejo de totalidade não consegue ser satisfeito através do sexo; pelo contrário, ele serve apenas para aprofundar as feridas da desunião.’
A palavra ‘sexo’ é de origem latina – sexus, que significa divisão. Sexo divide. Promete unir, mas nunca une. Na realidade, ele divide. Mas há um grande desejo no homem de ser unido. A criança no útero da mãe está unida com a existência. Ela não tem uma realidade separada. Ela é parte do todo. Ela não tem uma personalidade, nem uma consciência mais elevada. Ela é, mas ainda não é um ego. E isso permanece como o nosso mais profundo anseio – como entrar no útero da existência novamente.
Psicanalistas dizem que o esforço do homem para penetrar na mulher quando faz amor é, na verdade, um esforço para entrar no útero novamente. E há alguma verdade nisso. Como entrar naquele estado de calma absoluta, quietude, quando o ego ainda não foi acionado, quando tudo está em paz e harmonia?
Quando um homem e uma mulher se unem em amor, eles estão tentando criar uma unidade – por isso a atração pelo amor e pelo sexo. Mas isso nunca acontece. Ou acontece apenas por tão pequena fração de segundo que realmente não importa se acontece ou não. Na verdade, pelo contrário, cria mais desejo pela unidade – mais desejo e mais anseio pela unidade suprema. E, todas as vezes, a frustração vem à tona. Se você tiver olhos para ver e coração para sentir, você ficará triste; toda vez que estiver apaixonado, você ficará triste. Novamente a promessa e de novo você sabe que não será realizada.
Então, o que fazer? Deixe a sua tristeza no amor tornar-se a peregrinação para a oração. Deixe essa experiência de tristeza tornar-se uma grande meditação em profundidade. Primeiro você tem que dissolver o ego em seu próprio ser interior; você não pode dissolvê-lo em ninguém mais. Ele voltará. Apenas por um momento você poderá criar um estado de esquecimento.
O sexo funciona como álcool, um álcool natural. É fornecido pela química do corpo, mas é tóxico, é uma droga. É uma química como o LSD, a maconha – a única diferença é que ele é bio-química, já é fornecido ao corpo pela natureza. Mas é um fenômeno químico. Através da química você tem um vislumbre. Isso é o que acontece quando você toma LSD – através da química, você tem um vislumbre. É isso que acontece através de todos os tipos de tóxico – por um momento você se esquece de si mesmo.Mesmo esse esquecimento momentâneo abre uma janela.
Mas esquecimento não é uma dissolução. Você não está dissolvido. Você está lá, esperando. Quando o efeito da droga acabar, o ego o agarrará novamente. O ego tem que ser dissolvido, não esquecido. Essa é a tristeza do amor: o ego é apenas esquecido e só por um momento. Em seguida ele volta. E volta vingativo. Por isso você encontrará amantes brigando continuamente. O ego torna-se ainda mais sólido, cristalizado.
E é por isso que você encontra amantes pensando em termos de o outro o estar enganando. Ninguém está enganando. Mas você desejou, esperou, fantasiou um estado de unidade, e você estava pensando que aquele grande êxtase iria acontecer, e não aconteceu – alguém o enganou. É claro, naturalmente, o outro torna-se o objeto. E o outro também pensa do mesmo jeito – que você o enganou. Ninguém está enganando. O amor enganou vocês dois. A inconsciência os enganou. A química enganou vocês dois. O ego os enganou. Se vocês compreenderem, não brigarão um com o outro.
Essa revelação da tristeza através do amor se tornará uma revolução, uma mudança radical em sua vida. Você começará a se mover em uma nova direção onde o ego possa ser dissolvido.
O sufismo é isso – como dissolver o ego.
E o amor dá grandes insights. Por isso eu sou totalmente a favor do amor. Mas, lembre-se bem, você tem que ir além dele. Sou totalmente a favor dele, para que você possa ir além. Ele tem que se tornar um trampolim. Não sou contra o amor, porque as pessoas que são contra ele permanecerão abaixo dele, nunca irão além. As pessoas que não conheceram o momento extático do amor não conhecerão a tristeza dele – como podem conhecer?
Um monge vivendo em um mosteiro católico ou um muni jaina levando uma vida asceta – como eles vão conhecer a tristeza do amor? Eles renunciaram ao amor. E, nessa renúncia, eles renunciaram à tristeza também.
E sem conhecer a tristeza do amor você não pode voar para o mundo da oração ou da meditação. Essa experiência é uma grande necessidade.
Algumas coisas mais... A tristeza que o amor traz é muito potencial, muito profunda, muito saudável, muito útil. Ela o levará a Deus. Por isso, não a encare negativamente, use-a. Essa tristeza sentida no amor é uma grande bênção. Ela simplesmente lhe mostra que a sua aspiração está além da capacidade do amor, sua aspiração é pelo supremo. O amor pode lhe dar apenas uma satisfação momentânea, mas não uma satisfação eterna. Sinta-se grato pelo amor ter-lhe dado uma satisfação momentânea e ter-lhe feito consciente de uma tremenda tristeza dentro de você.
Quando as pessoas estão juntas no amor, elas se sentem muito sozinhas. Ninguém jamais sente tanta solidão quanto os amantes. Você pode se lembrar disso? Enquanto sentado, segurando a mão de sua bem-amada numa noite de lua cheia, você não sentiu isso? – totalmente sozinho. O outro está lá, você está lá e ambos estão um para o outro, não há nenhum conflito – e, mesmo assim, não há nenhuma ponte. Você está sozinho, ela está sozinha... Duas solidões sentadas juntas. E cada um tornando o outro mais consciente da solidão dele ou dela.
O amor é uma grande experiência. Faz você sentir uma verdade absoluta – que você nasceu sozinho, vive sozinho e vai morrer sozinho. E não há nenhum modo de afogar essa solidão em drogas – quer essas drogas sejam fabricadas pela natureza nas árvores, ou pelas fábricas ou no corpo. Não há meio de afogar essa solidão. A pessoa tem que entender essa solidão, tem que penetrar nessa solidão, tem que ir até seu núcleo. E quando você atingir o núcleo de sua solidão, de repente não é mais solidão, é a própria presença de Deus. Você é sozinho porque Deus é sozinho.
Maomé diz freqüentemente: ‘Não há nenhum Deus exceto Deus. Deus é um’. Seguindo Maomé, um grande místico Sufi, Shapistari diz: ‘Conheça-se, veja-se, ame-se, seja’. Você já é isso, mas tem que penetrar no seu interior.
Sua amada o fará consciente de que não há nenhum modo de sair e tornar-se um. O caminho é para dentro. Entre. O amor, naturalmente, conduz as pessoas à meditação. Os amantes tornam-se meditadores. Somente os amantes tornam-se meditadores.
Por isso, Abhinava, é uma bênção você ter sentido tristeza durante aqueles belos momentos de amor. Compreenda isso. Entenda a mensagem. O seu inconsciente lhe deu a mensagem para agora voltar-se para dentro. O bem-amado reside em você; o bem-amado não está do lado de fora. Ele mora dentro do seu próprio coração. Nenhum outro amor e nenhum outro bem-amado irá satisfazê-la, exceto Deus – por isso a tristeza.”

Osho – Sufis: o povo do caminho – capítulo 4
Editado em português pela Maha Lakshmi Editora em 1983.
Edição esgotada há quase 20 anos.

Fonte: www.oshobrasil.com.br

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