sábado, 14 de junho de 2008


Os Três Votos


O compromisso, como a essência dos votos buddhistas, demonstra a dedicação da vida de alguém em refrear os atos prejudiciais e de promover a paz e a alegria em si mesmo e nos outros. Estas metas são realizadas disciplinando-se a mente, o que é a chave para todas as ações, experiências e atingimentos espirituais. O Senhor Buddha disse:

Não cometer quaisquer atos ruins,
Promover tudo o que é virtuoso
E domar a própria mente
São os ensinamentos do Buddha.

A disciplina buddhista começa domando-se a mente porque a mente é a fonte de todos os eventos mentais e ações físicas. Se a mente de uma pessoa é aberta, pacífica e bondosa, todos os seus pensamentos e esforços beneficiarão a ela e aos outros. Se a mente de uma pessoa é egoísta e violenta, todos os seus pensamentos e ações físicas se manifestarão como prejudiciais. O Senhor Buddha disse:

A mente é o principal fator e precursora de todas [as ações].
Se com uma mente cruel alguém fala ou age,
A miséria segue-a assim como uma carroça segue [o cavalo]...
Se com uma mente pura alguém fala ou age,
A felicidade segue-a, assim como uma sombra nunca parte.

Apesar de a mente ser o principal fator, para aqueles cuja força espiritual é limitada, é crucial a disciplina física de viver na paz solitária e de evitar a indulgência nas ações violentas. As atitudes e conceitos mentais são formados pelos hábitos que são totalmente condicionados pelas circunstâncias físicas e externas, e são escravizadas por essas circunstâncias. Não podemos pensar, agir ou funcionar independentemente delas. As disciplinas físicas protegem-nos de nos tornarmos presa às assim chamadas fontes de emoções, como a inimizade, beleza, feiúra, riqueza, poder e fama, que dão à mente uma natureza apegada e agressiva, resultando em reações físicas prejudiciais. Assim, a disciplina física é um meio essencial de escape e um mecanismo de defesa.

A fim de refrear qualquer ato negativo, precisamos seguir persistentemente a linha guia das disciplinas físicas e mentais. Há diferentes conjuntos de disciplinas no buddhismo, especialmente no tantra, mas sua classificação em três votos é universal na tradição buddhista tibetana. Para a escola Nyingma do buddhismo tibetano, o Determinando os Três Votos (tib. Domsum Namnge / sDom gsum rNam nges) de Panchen Pema Wangyal (1487-1542) da província de Ngari tem, por séculos, sido o texto raiz para o aprendizado dos três votos. Neste texto, o autor elucida cada voto junto com sua história, natureza e divisões: como receber o voto, como observar o voto, como reparar um voto quebrado e o resultado de observar o voto. Os três votos são os votos de pratimoksha, do bodhisattva e do tantra.

O Voto de Pratimoksha

O voto de pratimoksha (liberação individual) enfatiza principalmente disciplinar o comportamento físico e não prejudicar os outros. A disciplina do pratimoksha é chamada o fundamento do buddhismo porque, para as pessoas comuns, a disciplina física é o início do treinamento espiritual e a base para o progresso espiritual. A aspiração da disciplina pratimoksha pura é o atingimento da liberação para si mesmo, pois pertence ao treinamento do shravaka. Entretanto, já que os buddhistas tibetanos são automaticamente seguidores do Mahayana, eles enfatizam tomar os votos de pratimoksha com a atitude de bodhichitta. Assim, os votos são tomados e observados para que todos os seres possam conhecer a felicidade e atingir a iluminação.

No pratimoksha há oito categorias de preceitos. O upavasika observa oito votos por vinte e quatro horas. O upasaka e a upasika (chefes de família) observam cinco preceitos. Estas três são as categorias de preceitos para os donos de casa leigos. O shramanera (noviço) e a shramanerika (noviça) observam dez, treze ou trinta e seis votos. A shikshamana (noviça em treinamento) observa doze votos em adição aos preceitos de uma shramanerika. O bhikshu (monge completamente ordenado) observa 253 votos e a bhikshuni (monja completamente ordenada) observa 364 votos. Estas cinco são as categorias de preceitos para aqueles que são celibatários e que renunciaram ao estilo de vida dos donos de casa leigos. Na prática monástica tibetana, as últimas sete categorias do pratimoksha são domadas pela duração da vida. Alguns não contam o voto de upavasika como uma categoria do pratimoksha, já que ele é um preceito temporário.

Em essência, o treinamento de observar o voto de pratimoksha é evitar qualquer causa para a ação negativa, que é a fonte da aflição mental e da dor para si mesmo e para os outros. Deste modo, a corrente das causas e hábitos negativos é quebrada, estabelecendo uma base espiritual que é a fonte da paz, alegria e benefício para si mesmo e para todos os seres sencientes pais. É importante lembrar que, a menos que possamos melhorar nossa própria vida, passo a passo, não estaremos adequadamente equipados para sermos uma ferramenta perfeita para trazermos uma felicidade verdadeira para os outros.

Enquanto a mente for fraca e atraída às fontes de emoções, ela será facilmente influenciada pela raiva, cobiça e confusão. Assim, é importantíssimo reter as fontes de emoções observando os votos de pratimoksha. Por exemplo, se formos fracos, é mais sábio não confrontarmos inimigos poderosos, mas sim evitá-los. Os votos de pratimoksha são um modo de nos defender do encontro com as aflições mentais ou suas fontes. Estes votos são fáceis de observar porque são aparentes como disciplinas físicas, como evitar matar ou roubar. Então, quando a mente estiver forte o bastante para permanecer sobre si mesma, com menos influência das atividades físicas ou influências externas, poderemos colocar mais ênfase nas disciplinas do bodhisattva.

O Voto do Bodhisattva

O voto do bodhisattva (aderente da iluminação) enfatiza principalmente observar a bodhichitta, ou a mente da iluminação. A bodhichitta é a atitude mental de tomar a responsabilidade de trazer felicidade e iluminação para todos os seres, com amor e compaixão livre de qualquer rastro de interesse egoísta, assim como colocar isto em prática. Então, aqui não estamos apenas deixando de prejudicar os outros, mas nos dedicando para servi-los.

O preceito do bodhisattva tem três divisões maiores. O primeiro é "evitar atos prejudiciais", que tem duas tradições. De acordo com a tradição de Nagarjuna, há dezoito preceitos maiores a se observar. De acordo com a tradição de Asanga, para os votos da bodhichitta aspiracional há quatro preceitos gerais para não perder os votos e oito preceitos para não esquecê-los. Para o voto da bodhichitta prática, há quatro quedas raiz e quarenta e seis faltas auxiliares do que refrear.

A segunda divisão é "acumular atos virtuosos". Este é o treinamento nas seis perfeições: generosidade, disciplina moral, paciência, diligência, contemplação e sabedoria.

A terceira divisão é "o serviço dos outros". Esta é a prática dos quatro meios para reunir o trazer os outros ao Dharma. Estes quatro são a prática da generosidade, fala agradável, conduzir os outros ao caminho significativo do Dharma e permanecer no mesmo caminho.

De acordo com Longchen Rabjam, o voto para a bodhichitta da aspiração é contemplar as quatro atitudes imensuráveis: amor, compaixão, alegria e equanimidade. O voto para a bodhichitta da prática é treinar nas seis perfeições.

O voto do bodhisattva deve ser mantido até se alcançar a iluminação. A menos que abandonemos a bodhichitta, ela permanecerá conosco através da morte e nascimento, da dor e da alegria. Sua força de mérito aumenta em nós, mesmo dormindo ou em distração, assim como uma árvore cresce até mesmo na escuridão da noite. Aqui, as pessoas podem ter um problema com o conceito de manter os votos após a morte. De acordo com o buddhismo, os atributos físicos como o corpo, a riqueza e os amigos não nos acompanharão em nossas próximas vidas; mas os hábitos mentais, convicções, forças e aspirações — junto com seus efeitos, seu karma — ficarão conosco até que eles sejam amadurecidos ou destruídos. Então, se fizermos poderosas aspirações e esforços, os votos permanecerão conosco e formarão o curso de nossas vidas futuras.

O voto do bodhisattva é muito mais difícil de observar que o voto de pratimoksha pois sua disciplina principal é manter a atitude mental e entendimento corretos, o que é mais sutil e difícil de controlar. Entretanto, é também mais poderoso e benéfico, já que se tivermos bodhichitta em nossa mente, não poderemos fazer qualquer coisa prejudicial a ninguém e poderemos apenas beneficiar os outros. Não é uma questão de evitar as aflições mentais e suas fontes, mas de destruí-las ou neutralizá-las. Por exemplo, uma atitude compassiva pacifica a raiva, ver a natureza impermanente da existência fenomenal alivia o desejo, e realizar a causação e/ou ausência de um "eu" termina a ignorância. Quando um aspirante com o verdadeiro estado desperto da bodhichitta é excepcionalmente inteligente e diligente, então ele se qualifica para entrar e colocar mais ênfase nas disciplinas do tantra.

O Voto do Tantra

O voto do tantra (continuum esotérico) enfatiza principalmente realizar e aperfeiçoar a união da sabedoria e dos meios hábeis, e de realizar simultaneamente a mente para si mesmo e para os outros.

O treinamento tântrico começa recebendo a iniciação (sânsc. abhisheka) de um professor tântrico altamente qualificado. Na transmissão da iniciação, o poder iluminado do mestre faz a despertar natureza da sabedoria primordial inata do discípulo, que é o significado da iniciação. Essa sabedoria, apesar de inerente em cada ser, permanece oculta como um tesouro escondido nas paredes. Com o poder da sabedoria desperta, treinamos nos dois estágios do tantra, o estágio de desenvolvimento e o estágio de perfeição, e se realiza a meta: o atingimento do estado búddhico para beneficiar a si mesmo e aos outros. A fim de preservar, desenvolver e aperfeiçoar esta sabedoria desperta, devemos observar os samayas (preceitos tântricos) pois estes são o coração do treinamento tântrico. Quebrar o samaya tântrico é mais prejudicial do que quebrar outros votos. É como cair de um avião, comparado a cair de um cavalo. A realização e transmissão tântricas são cheias de poder, profundidade e grandeza. Não há outro modo de abandonar os votos tântrico, exceto quebrá-los e cair.

Para o samaya tântrico há numerosos preceitos a observar, mas Ngari Panchen apresenta os principais. Estes incluem os preceitos das vinte e cinco atividades esotéricas, as cinco famílias búddhicas, as catorze quedas raiz e as oito quedas auxiliares do tantra em geral. Além disso, ele apresenta as vinte e sete quedas raiz e os vinte e cinco preceitos auxiliares que são únicas do veículo da Grande Perfeição.

Sem tomar e manter o samaya, não há como realizar quaisquer atingimentos tântricos. O Senhor Buddha disse:

Para aqueles que danificaram o samaya,
O Buddha não disse que eles poderiam realizar o tantra.

Je Tsongkhapa escreve:

Aqueles que afirmam praticar o tantra sem observar o samaya, desviaram-se dele, já que no anuttara tantra é dito, "O tantra nunca será realizado por aqueles que não observam o samaya, que não receberam as iniciações adequadas, e que não conhecem a talidade [o significado da iniciação, a sabedoria], mesmo que o pratiquem".

Os três votos são passos que conduzem à mesma meta, a iluminação. O fluxo dos votos inferiores funde-se nos votos superiores, e os votos superiores corporificam todos os votos e méritos dos inferiores. Além disse, quando recebemos a iniciação em um tantra, estamos também ordenados nas disciplinas de pratimoksha e do bodhisatta. Ngari Panchen escreve:

Recebendo uma iniciação, todos os três votos nascem simultaneamente.

Os buddhistas tibetanos, como seguidores do tantra, devem observar todos os três votos. A maioria dos praticantes leigos observam os votos upasaka ou upasika do pratimosha, os votos do bodhisattva e os votos tântricos. A maioria dos monges observa fisicamente cada código moral do vinaya a fim de domar a mente. Mentalmente eles mantêm a aspiração dos bodhisattvas, a aspiração de beneficiar os outros com amor e compaixão. Com o estado desperto da sabedoria, eles também são tantristas, aceitando todas as aparências como o caminho da percepção pura. Longchen Rabjam escreve:

Com os três votos não conflituosos
Do shravaka, do bodhisattva e do vidhyadhara,
Dome seu fluxo mental, beneficie os outros
E transforme cada aparência no caminho da natureza pura.

Tantristas altamente realizados, através de seu poder de realizam, podem manter o voto de celibato até mesmo se eles tiverem consortes, mas essas afirmações de atingimento são autênticas apenas se eles também forem capazes de trazer os mortos de volta à vida. Então, para um treinador altamente aperfeiçoado do tantra superior, todos os outros três votos estão perfeitos. O Mayajala Tantra afirma:

No voto do anuttara tantra,
Todas as disciplinas do vinaya
E as disciplinas do bodhisattva
Estão inteiramente corporificadas e são puras.

Muitos de nós, que são assim chamados "seguidores do Dharma", são medíocres com respeito à verdadeira disciplina e realização, mas têm a tendência de se gabar de sabedoria. Nos tornamos negligentes sobre as linhas guias dos preceitos e permitimos o apego pelos fenômenos sensuais, sob a guisa de transmutar tudo nos meios do treinamento. Alguns de nós adotamos esta atitude intencionalmente, a fim de polir nossos egos ou por prazeres mundanos. Outros se desviaram nestas noções errôneas porque estão confusos pela escuridão da ignorância. Ao invés de sermos como os olhos que procuram as faltas nos outros, deveríamos nos esforçar em sermos um espelho que vê nossas próprias inadequações.

Mantendo os Votos

É essencial aprender e observar o código da lei dos três votos, conforme explicado no Determinando os Três Votos. Porém, por causa das limitações de conhecimento, tempo, atmosfera, dedicação e energia, pode ser difícil para muitos de nós observá-los. Gostaria de citar o conselho de S.S. Dodrubchen Rinpoche dado no final da iniciação do Nyingthig Yabshi, concedido em 1989 no templo do Mahasiddha Nyingmapa Center em Massachusetts. Ele disse:

É difícil aprender os nomes dos votos, vamos apenas observá-los. Então, vocês pelo menos devem se esforçar para serem amáveis com as pessoas, especialmente com aquelas que estão próximas a vocês, como os amigos, parentes, irmãos e irmãs do Dharma, e vizinhos. Tentem evitar prejudicá-los. Sejam respeitosos com eles, pois todos são iluminados em sua verdadeira natureza. Então, de modo simples, vocês estarão se movendo para realizar o voto de pratimosha de não prejudicar os outros, o voto dos bodhisattvas de serem amáveis com os outros, e o voto tântrico da percepção pura.

Restaurando os Votos

Após tomarmos os votos, devemos aprender como reparar qualquer queda e rupturas dos votos, pois sem dúvida faremos isto acontecer. De outro modo, será como um explosivo na mão de uma pessoa desordenada. Cada um dos três votos tem seus próprios métodos de purificação. Entretanto, já que os seguidores do buddhismo tibetano são praticantes tântricos, é adequado usar um meio tântrico de purificação pois este é mais poderoso e purifica as faltas cometidas em qualquer das categorias de votos. Para muitos de nós, a purificação através da recitação de Vajrasattva é familiar. É também um dos meios mais poderosos de purificação. Esta purificação deve ser praticada com "as quatro forças". "A força da fonte do poder de purificação" é a confiança total sobre Vajrasattva com fé convencida, calor devocional e concentração unidirecionada. Devemos ver Vajrasattva como a corporificação do poder de purificação de todos os buddhas, que possui sabedoria perfeita, poder infinito e compaixão incessante. "A força do arrependimento sincero" é o forte sentimento de remorso para quaisquer faltas que se tenha cometido, conhecidas ou desconhecidas, como se um veneno tivesse sido consumido. "A força de prometer não repetir a falta novamente" é a determinação, das profundezas do próprio coração, de que agora, mesmo ao custo da própria vida, não cometeremos mais essa falta novamente. Se tivermos um arrependimento forte e sincero, e a determinação de não cometer faltas novamente, isto gradualmente nos forçará a mudar a direção de nossa vida. "A força da purificação" é a recitação e meditação reais de Vajrasattva. Devemos visualizar Vajrasattva e sua consorte acima do topo de nossa cabeça e repetir preces e mantras com fé e devoção. Com arrependimento sincero pelos errados passados e um compromisso total de não repeti-los, devemos rogar por sua bênção, que é o poder de purificação. Devemos sentir devoção e abertura, e a compaixão e poder de Vajrasattva e sua consorte. Então, como resultado, o poder de purificação desce do corpo de Vajrasattva na forma de um néctar fluindo, lavando todas as impurezas de nosso corpo, fala e mente, sem deixar qualquer traço. Sinta-se certo de que você está então livre de todas as máculas. Finalmente, preencha seu corpo com o néctar e o sentimento de paz, êxtase e abertura, o poder abençoador de Vajrasattva. A confusão e purificação não são apenas um ato, de contar à pessoa envolvida, mesmo que seja um lama, de que (por exemplo) "Eu te odeio" ou "Eu não te odeio", mas é a meditação e a experiência das quatro forças experienciadas a partir das profundezas de nosso coração.

Os Benefícios de Observar os Votos

O atingimento da felicidade e da iluminação é o resultado de manter os votos. Lembre-se que manter um voto é fazer um forte compromisso de viver apenas com os atos adequados e virtuosos, e de evitar os atos errados e ruins. Deste modo, criaremos bom karma ou, no caso do tantra, samaya puro, e isto resultará na felicidade, sabedoria e estado búddhico, a fonte de toda alegria. Ngari Panchen Wangyal escreve:

Então atingiremos espontaneamente as metas para si mesmo e para os outros.

(Da introdução de Tulku Thondup Rinpoche em Perfect Conduct: Ascertaining the Three Vows.
Ngari Panchen Pema Wangyi Gyalpo, comentário de S.S. Dudjom Rinpoche, traduzido por
Khenpo Gyurme Samdrub e Sangye Khadro. Boston: Wisdom, 1996. Pág. VII-XI, XIII-XIV.)

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